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Setembro e suas flores

    O mês de setembro é mesmo enigmático, um mês que inicia a primavera e que paradoxalmente nos convoca a pensar o suicídio.
    Associando o começo da primavera que marca esse tempo no calendário, podemos pensar que muitas flores desabrocham e saltitam aos nossos olhos fazendo cor e diversidade. Mas todos sabemos, as flores são variadas, de múltiplas cores, de muitos formatos, espécies e qualidades. Entre elas aprendemos sobre a experiência, uma flor tem um tempo só dela para florir, algumas chegam tímidas, retraídas quase escondidas, outras desabrocham ligeiramente e tantas outras ficam somente algumas horas mostrando sua beleza. Ao pensar sobre flores, nesse mês que é puro cheiro, puro deleite, uma vez que logo ali teremos o verão, fiquei me perguntando sobre o dilema do suicídio na natureza, no reino vegetal, animal, em qualquer reino ou reinado.
    É assim que proponho pensarmos o tempo das coisas, o tempo dos acontecimentos e o tempo interno de cada um e cada uma. Às vezes nos perguntamos sobre quais os motivos, quais as motivações que levam uma pessoa a pensar ou mesmo a cometer suicídio, certamente são muitos os motivos que contribuem para que um sujeito, dotado de si cometa um ato tão impactante.
    Parece que o suicídio revela uma manifestação humana pura, genuína e protagonista. Embora, muitíssimo dolorosa, porque um suicídio sempre deixa um rastro de sofrimento, naqueles que amam. É uma cartada que pode ser utilizada quando a vida se torna insuportável, é um modo de lidar com a dor de existir. É um ato, o último ato que fala de uma peculiaridade somente humana, porque nenhum outro animal faz da morte a sua escolha.
    Todos temos conhecimento de que a vida somente é suportada porque a morte está ali, ela acena para o término de muito, ou ainda para o recomeço conforme a espiritualidade de cada um. É também importante destacar que em algum momento da vida qualquer sujeito possa vir a pelo menos pensar na própria morte, em ter ideias que indiquem desejo de morte ou término das coisas, da angústia.
    O real, compreendemos como muitas vezes impossível, difícil e angustiante e é desse embate com o real que muitas vezes algumas pessoas decidem pela morte. Repetir o que nos é traumático se torna a única saída para acabar com o sofrimento.
    Em geral, quem escolhe morrer está submerso numa angústia que rasga, que assola e que avassala o corpo e a alma, portanto padece de dor. Essa angústia é uma angústia de castração de alguém que está tão vivo que justamente por isso precisa morrer. A morte não é a causa da angústia, mas o fulcro de extermínio. Morre-se para não doer.
    A dor que é marcada pela angústia de já não haver mais sentido precisa ser escutada pela sociedade, pelos familiares, pelos cuidadores, pelos profissionais de saúde que podem em algum momento oferecer um espaço de ressignificação, de enriquecimento de possibilidades já que a pessoa que busca o suicídio revela sempre um aniquilamento de si mesmo.
    É preciso suportar o tempo das coisas, de reconhecer a falta no Outro, de sustentar a incompletude, inventando uma nova versão de si, assumindo-se como sujeito e como as flores, fazendo primaveras para se banhar nas águas de um verão caloroso e cheio de possibilidades. Mas para isso, é preciso que em cada mudança de estação o sujeito se posicione, se articule e seja.
    Ainda, e sobretudo porque sendo sujeitos, é imperativo que, em se tratando da ética humana sustentemos a vida, e na psicanálise sustentemos o desejo. Preservar a vida e o desejo é apropriar-se da sua verdade e se responsabilizar pelo sofrimento.
    Assim, quando alguém me diz, “quero morrer” me pergunto aonde está o sujeito ali, qual a satisfação imposta nessa frase, nesse mandato. E a partir disso eu suporto o tempo das coisas, o tempo de alguém que precisa se assim quiser, abrir mão da satisfação com a morte para se permitir o desejo de saber. E, portanto, continuar fazendo longas e floridas primaveras.

*Psicóloga Camila Scheifler Lang

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